quinta-feira, 19 de junho de 2014

Dominique Faislon realiza oficina de preparação de atores em Correntina

Ator e professor de teatro formado pela Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Dominique Faislon retorna à Correntina para investir na formação de atores.
Fonte: Andréa Magnoni
O teatro estará na agenda do município de Correntina, entre os dias 24 e 28 de junho, no auditório do CEC (Centro Educacional de Correntina) o ator e professor de teatro Dominique Faislon estará ministrando o CURSO DE PREPARAÇÃO DE ATORES

Correntina e o Território da Bacia do Rio Corrente como um todo tem forte tradição e valorização das práticas cênicas. Essa ação vai permitir o contato, considerando aspectos pedagógicos onde os conhecimentos empíricos também serão valorizados. “Vou trabalhar preparação de atores na perspectiva da analise ativa”, contribui o professor.
Fonte: Andréa Magnoni
“Temos uma cultura de improvisação, e monólogos gestuais, mas não temos a cultura de estudar textos teatrais, interpretá-los e corporificá-los. O curso visa propiciar contato com o procedimento de estudar um texto teatral. Na última oficina que fiz aqui senti uma tremenda necessidade disso, de pessoas que tivessem um estudo sobre a analise ativa (que é fundamentada em Stanislavski),” contribui Dominique. 

Por ser um projeto sem fins lucrativos e realizado de forma independente, para participar do curso, será preciso um investimento de R$ 30,00 (trinta reais), esse financiamento é importante para suprir gastos decorrentes do processo criativo da oficina. As vagas são limitadas.

Inscrições poderão ser realizadas na secretaria da Rádio Caricia FM, e deve ser feita até às 12h da segunda-feira (23).

O quê: Oficina de Preparação de Atores
Onde: Auditório do CEC (Centro Educacional de Correntina)
Data: 24 a 28 de junho, das 14h às 18h.
Público alvo: Acima dos 14 anos 
Investimento: 30,00 (trinta reais). 
Fonte: Andréa Magnoni

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O circo que não estreou

Fonte: foto ilustrativa retirada da internet
Aquele alvoroço de meninos serelepes, de pés descalços, nus da cintura para cima, num vai-e-vem sem fim, não indicaria mesmo outra coisa que não o surgimento de alguma novidade dessas que punham a pequena e velha Santana dos Brejos, no sertão da Bahia, numa vibração desigual. Naqueles idos, a cidadezinha de não mais que cinco mil habitantes vivia desgrudada do mundo, do tempo e seca de fatos novos. Mas aquele dia quente e auspicioso de 1965 nascia perfeito em acontecimento e encheria o surrão de curiosidades da meninada com uma novidade arrebatadora: a chegada de um circo. Em minutos, a notícia esparramou-se pelo lugar. Meninos, ali, eram como galos, na madrugada: um recebia o canto do outro e o levava mais além, cobrindo, em minutos, todos os quadrantes da tímida cidade.

E não havia pai que pusesse freio na turba de meninos saltitantes, ainda que lhe ameaçasse com o castigo de não ir ao largo localizado ao lado do Clube da Operária, onde os circos eram armados. Montados em suas curiosidades, os pequenos corriam para o lugar e grudavam os olhos, de perto, naquele povo chegante; conferiam atentamente as suas falas forasteiras; acompanhavam a sua habilidade na armação dos circos. Aquele som de muitos martelos descendo firmes sobre as estacas de ferro que sustentavam as amarrações de cordas que prendiam a lona não sai de minha cabeça.

A expectativa ficava reservada à primeira manifestação dos artistas pelas ruas. Eles tomavam a cidade com seus enormes megafones de funil, suas trapezistas de maiôs e biquínis que faziam prender a respiração dos homens do lugar e seus malabaristas exibindo uma arte que Santana dos Brejos só via, de vez em quando. Mas a meninada reparava mesmo era nos palhaços com pernas-de-pau. No dia seguinte, a cidade estava cheia de meninos andando desajeitados em pernas improvisadas com cabos de enxada ou de vassoura e em pedaços de caibro com tábuas adaptadas para receber os pequenos pés.

O mais instigante estava em sairmos gritando atrás do palhaço, animando as ruas, respondendo as suas gatimonhas e perguntas sarcásticas que, hoje, levariam a um processo judicial por racismo ou atentado ao pudor. A paga pelo nosso “serviço prestado” era a entrada, de graça, no circo. Para tanto, éramos ungidos com um sinal na testa (quase sempre, uma cruz pintada com uma tinta firme, que não se apagava). Era o ingresso.

Mas a alegria que animava as companhias que chegavam, em Santana dos Brejos, não foi a mesma de quando um circo pequeno, sem cobertura, pobre, visivelmente arruinado, chegou, numa manhã quente, na cidade. Era um desses circos que andavam sangrando o fim de sua existência, País afora. Chegou e foi, logo, levantando a lona. E ela era tão rota, e os remendos e cerzidos tantos, que se via do outro lado. Os palhaços não foram às ruas, as trapezistas não desfilaram.

Depois de levantada a lona e anunciada a “noite mágica de estreia”, iniciou-se uma chuvarada inclemente que Santana dos Brejos não via, havia dezenas de anos. Uma semana e mais outra de chuva, sem trégua. Veio a terceira semana, e o pobre circo vergou ao peso de sua desventura.

Sem espetáculos que lhe rendessem dinheiro, o pessoal da companhia começou a passar privações. Alugou uma casa de chão batido, onde um amontoado de panos velhos e gente doente, inclusive crianças, pintava o quadro mais desolador e sombrio que meus olhos de menino já viram. Comida, ali, não havia; medicamentos, também, não.

Crianças choravam famintas; artistas aviltados pelo destino pungente acuavam-se nos cantos das paredes, acocorados, esperando que uma pomba trouxesse um ramo de oliveira, como fez, ao voltar à Arca de Noé para anunciar o fim das chuvas. Fellini talvez chorasse, diante daquela cena, e, abatido, sequer se animaria em filmá-la.

Aquela companhia não tinha carro próprio. Chegou, em Santana dos Brejos, na carroceria dum velho caminhão, dividindo o espaço com uma carga de sal e ferramentas para o homem do campo (enxadas, foices, facões, cavadores, picaretas). Agora, como sair dali, sem dinheiro?

Foi o meu pai, Seu Benedito Amorim, quem tomou a iniciativa e, com os amigos, levantou algum dinheiro, arranjou comida e medicamentos e fretou um caminhão que levasse aqueles artistas e suas famílias a um lugar mais a Nordeste, bem mais para cima, onde não chovesse; onde estrelas mais generosas que as de Santana dos Brejos fossem o teto daquele circo miserável e cobrissem as cabeças dos artistas e da plateia.

O caminhão fretado por papai e seus camaradas chegara à casa que acolhia o pessoal do circo, numa manhã turva, chuvosa. Das janelas das casas vizinhas, crianças acompanhavam, abatidas, a arrumação da carga. Eram lonas rotas, panelas velhas e outros cacarecos, arremedos de caixas de madeira e malas esburacadas. Mulheres regozijavam-se com o pessoal da companhia circense e mandavam-lhe comida para a viagem.

O vento que desgrenhava as árvores cessou, a respiração das pessoas parou e todos os sons interromperam-se. E o caminhão deu partida. De dentro da carroceria coberta por uma lona esfarrapada, como se quisesse apresentar o espetáculo que não conseguira fazer, em Santana dos Brejos, o palhaço olhou para os meninos tristes que o viam das janelas e portas, e arriscou um sorriso. O único.

Por Aloísio Brandão